Entenda o MROSC aplicado aos Fundos de Direitos: FIA e Idoso


Entenda como funciona a doação aos Fundos, vindas de empresas e pessoas físicas, após entrar em vigor o MROSC, nova lei que atualiza o repasse de recursos públicos ao terceiro setor

Se você faz parte ou atua com o setor social, já deve ter ouvido falar sobre o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Esse é o nome dado à Lei nº 13.019, sancionada em 2014, que regulamenta as parcerias entre organizações do terceiro setor e poder público.

Fruto de ampla discussão no processo de elaboração, o MROSC trouxe avanços importantes para essas parcerias, principalmente as que envolvem repasses de recursos públicos para as organizações da sociedade civil. A nova legislação criou os termos de fomento e de colaboração, que são instrumentos jurídicos assinados pelas duas partes interessadas.

O chamamento público como regra para a seleção de organizações parceiras também é um ponto importante estabelecido pelo MROSC. Isso significa que o poder público só pode firmar termos de fomento e colaboração com as organizações após um processo de chamamento, como por exemplo, um edital.

São muitas as mudanças e os impactos dessa nova legislação para as organizações e o poder público. Para conferir a atuação mais ampla do MROSC, leia a cartilha produzida pelo Governo Federal.

Como o MROSC se aplica ao FIA e ao Fundos do Idoso?

O Fundo da Infância e Adolescência (FIA) foi estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990. Já o Fundo do Idoso foi previsto pelo Estatuto do Idoso em 2003, mas só foi instituído e regulamentado posteriormente.

O objetivo dos Fundos de Direitos, como eles também são conhecidos, é destinar recursos de investimento para Organizações da Sociedade Civil (OSCs) que promovam ações voltadas à infância e juventude e à pessoa idosa, de acordo com a política pública estabelecida para cada um.

Os fundos podem ser criados e legislados em âmbitos municipal e estadual, além do nacional, ponto de partida para a regulamentação nos demais entes federativos.

Cada fundo é gerido por seus respectivos Conselhos de Direitos, como o Conselho Municipal do Idoso ou Conselho Estadual da Criança e do Adolescente. Seguindo a  legislação dos Conselhos Federais, eles têm autonomia para fixar os critérios de uso dos recursos dos fundos das suas próprias regiões.

Neste post explicamos com mais detalhes os modelos de funcionamento dos Fundos do Idoso e sua relação com alguns dispositivos do MROSC. As mesmas informações também explicam o FIA, já que ambos possuem diretrizes semelhantes.

Pessoas físicas e jurídicas tributadas em lucro real podem fazer doações aos FIAs e Fundos do Idoso estaduais e municipais, além do nacional, descontando parte de seu Imposto de Renda devido. Os recursos direcionados aos fundos passam a fazer parte do orçamento público e, por esse motivo, estão sujeitos às regras do MROSC.

O Marco Regulatório não especificou seus impactos nos fundos, gerando insegurança e dúvidas em várias regiões do país, inclusive onde esses fundos já funcionam há anos.

Doações direcionadas e o MROSC: pode ou não pode?

A Nexo atua junto a Conselhos de Direitos em todo o país e, a partir dessa experiência, percebemos que a dúvida mais recorrente entre eles e as organizações sociais é a possibilidade dos doadores direcionarem recursos para projetos e organizações de sua preferência após a criação do MROSC.

Alguns conselhos permitem a doação direcionada, ou chancelada, na qual o doador como empresa ou pessoa física pode indicar ao fundo para qual projeto ele quer que o recurso investido seja destinado. Veja este artigo, que esclarece melhor a doação direcionada.

Esse é um ponto crítico no processo de decisão pelas empresas, que tendem a buscar projetos e organizações de sua confiança na hora de investir. Antes mesmo da criação do MROSC, essa questão já gerava controvérsias.

As legislações que tratam do FIA e do Fundo do Idoso não proíbem a indicação de projetos beneficiados por parte do doador. Em 2010, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) lançou a resolução 137, que estabeleceu as principais bases para o funcionamento dos fundos no país.

No artigo 13 deste documento, o CONANDA torna facultativa ao doador a indicação da organização ou programa de seu interesse. Ficou, então, permitido que os Conselhos de Direitos das Crianças e Adolescentes (CDCAs) adotassem o sistema de chancela de projetos por meio de edital específico. Ou seja, somente organizações que tivessem projetos aprovados pelo respectivo conselho, por meio de um edital, poderiam receber recursos direcionados.

Qual o embasamento jurídico da destinação direcionada?

Mencionada anteriormente, a Resolução 137/2010 do CONANDA, que “dispõe sobre os parâmetros para a criação e o funcionamento dos Fundos Nacional, Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente”, é uma referência para os FIAs de todo o país. Respeitando a autonomia dos entes federativos para regulamentar seu respectivo fundo, por meio dos conselhos locais, a resolução permite a chancela prévia de projetos e a doação direcionada.

Há uma discussão se a Resolução 137 do CONANDA tem força de lei para impor uma regra geral aos fundos, inclusive em possíveis conflitos com o MROSC. É interessante destacar que o Poder Judiciário tem demonstrado que entende que tal resolução é válida, de modo que é possível a aplicação da doação direcionada, se o conselho responsável pelo FIA assim deliberar.

O Tribunal Regional Federal da Primeira Região decidiu favoravelmente à legalidade da doação direcionada, já que o ECA não proíbe a indicação pelo doador e o CONANDA permite a abertura de editais elaborados pelos conselhos para chancela prévia de projetos. Em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça também sentenciou favoravelmente à legalidade da doação direcionada no caso de uma organização da região.

Por ser mais antigo e utilizado, o FIA apresenta mais normas jurídicas e históricos de ações que elucidam a questão da doação chancelada do que o Fundo do Idoso. Mas, por se tratarem de instrumentos muito semelhantes, os argumentos em torno da legalidade da doação direcionada sob a perspectiva do MROSC no FIA também valem para os Fundos do Idoso.

Chamamento público: edital prévio e edital posterior

Aceleramos o tempo até 2014, quando o MROSC estabeleceu como uma de suas principais exigências que toda relação de fomento ou colaboração do poder público com as OSCs seja precedida de um chamamento público.

Vimos que a Resolução 137/2010 do CONANDA permite que projetos aprovados pelo conselho recebam recursos direcionados. Mesmo com a indicação do doador, o fundo deve se certificar de que a organização beneficiada está apta a receber os recursos.

O conselho precisa avaliar o projeto e sua compatibilidade com a política pública de defesa de direitos, para então habilitar o recebimento de recursos doados. Isso quer dizer que o chamamento público precisa existir e pode ser prévio à entrada de doações no fundo ou posterior à mesma.

Quando o chamamento público é  posterior, significa que já há um montante disponível no fundo, advindo de uma doação. Nesse caso, o conselho abre um edital público para que as organizações se inscrevam e ele avalie, segundo os critérios do edital, qual delas deve assinar um termo de colaboração e receber os recursos.

Esse é um modelo competitivo de chamamento, pois as organizações concorrem entre si pelos recursos já disponíveis. Já o chamamento prévio ao aporte de recursos por doadores é um instrumento que se caracteriza por ser não competitivo. Ele é feito para que as organizações contempladas recebam o Certificado de Autorização para Captação de Recursos para o Fundo.

O conselho gestor abre a possibilidade para que as OSCs apresentem iniciativas, dentro das diretrizes estipuladas, de projetos voltados para crianças e adolescente ou para idosos. No chamamento prévio, os recursos não estão no fundo ainda: ele permite que as organizações com projetos aprovados tenham autorização para captar com empresas e indivíduos, que doam por meio do fundo e indicam o projeto a ser contemplado, em processo a ser estabelecido pelo Conselho.

Não há concorrência, pois o conselho pode emitir a autorização da captação para quaisquer projetos que julgar condizentes com os critérios estabelecidos. Diferentemente dos chamamentos posteriores, o chamamento prévio não precisa ter um prazo restrito de apresentação de propostas, por exemplo, 30 dias desde a publicação, podendo ser também um processo contínuo de submissão e avaliação.

A Nexo tem um posicionamento claro favorável pela realização de chamamentos prévios, por entender que não ferem a autonomia dos conselhos e que estão mais adequados ao modelo de tomada de decisão dos doadores.

Os fundos que optam pelo modelo de chamamento posterior, historicamente, recebem menos doações, pois as entidades não se comprometem com a captação de recursos (afinal, elas não sabem onde o recurso será aportado) e as empresas se sentem menos confiantes em doar por não saberem o destino final de sua doação.

Com o sistema de seleção a partir de editais gerenciados pelos conselhos, seria equivocado afirmar que com a doação direcionada, na qual a empresa escolhe o projeto que quer financiar por meio da doação ao fundo, o conselho abre mão da sua função na gestão do fundo e não há controle sobre as organizações beneficiadas.

A aprovação da proposta no chamamento prévio, dentro dos critérios de análise sinalizados pelo edital, significa o aval do conselho paritário, representado por poder público e sociedade civil,  de que o projeto é importante e desejável para o estado ou município, por atuar dentro dos critérios escolhidos e atender a todos os objetivos do edital, respeitando assim a exigência do MROSC em relação ao chamamento público para repasse de recursos.