17 out 2023 Uso indevido de rubricas de captação de recursos: como elas afetam OSCs?
No mercado, ainda é comum encontrar o uso indevido das rubricas de captação de recursos para custear serviços voltados a empresas patrocinadoras – como prospecção, análise ou acompanhamento de projetos. Na prática, proponentes acabam arcando com despesas que deveriam ser responsabilidade das patrocinadoras. Entenda as implicações e porque essa prática configura vantagem financeira indevida.

No universo dos incentivos fiscais, os recursos públicos desempenham um papel vital. E, como é de se esperar, sua gestão e alocação são rigorosamente regulamentadas por leis e normas destinadas a garantir a transparência e a ética em cada transação. Entre essas normativas, as rubricas de captação de recursos ganham destaque como instrumentos destinados a custear o processo de levantar fundos para projetos incentivados.
No entanto, em alguns casos, essas rubricas têm sido utilizadas para remunerar serviços de assessoria de investimento destinados a empresas patrocinadoras. Mas qual é o problema disso? A gente explica. Antes, vale diferenciar alguns conceitos.
A captação de recursos é o processo estruturado desenvolvido por uma organização para solicitar contribuições voluntárias – financeiras ou de outros tipos. Essas doações podem vir de indivíduos, empresas, governos ou outras instituições. Em outras palavras, a captação é essencial para a sustentabilidade das atividades das organizações sociais e empreendedores culturais. Por isso, muitas OSCs têm departamentos internos dedicados a esse trabalho, enquanto outras optam por contratar indivíduos ou empresas especializadas – como a Nexo Investimento Social, por exemplo.
Qual a diferença entre Captação de Recursos e Assessoria de Investimento?
A Nexo é uma agência especializada em Incentivos Fiscais que atua com captação de recursos, elaboração e gestão de projetos, prestando serviço aos proponentes. A remuneração para esse tipo de serviço pode ser feita tanto com recursos diretos quanto com rubricas previstas dentro dos projetos aprovados nos mecanismos de incentivo fiscal, conforme os limites definidos pela legislação. Diversos mecanismos permitem que o trabalho de mobilizar recursos seja remunerado dentro do próprio projeto, desde que os serviços sejam prestados ao proponente.
Já a assessoria de investimento para incentivos fiscais é um serviço prestado a empresas patrocinadoras. Ela envolve apoiar o patrocinador na seleção e acompanhamento de projetos, na definição de estratégias de investimento social, na elaboração de políticas, editais e relatórios, entre outras atividades. Assim, trata-se de um serviço voltado ao investidor, e por isso deve ser remunerado diretamente pela empresa, com recursos próprios e não com recursos públicos dos projetos incentivados.
Como o uso indevido de rubricas de captação tem impactado OSCs?
Nos últimos anos, têm sido identificados casos em que serviços de assessoria de investimento foram pagos com recursos públicos provenientes de projetos incentivados. Na prática, a empresa patrocinadora contrata uma assessoria, mas transfere a responsabilidade de pagamento para os proponentes, utilizando as rubricas de captação de recursos dos projetos que irá apoiar.
O primeiro problema ético é evidente: o proponente se vê coagido a remunerar um prestador de serviço que ele não contratou, como condição para ter seu projeto analisado ou apoiado. O segundo é ainda mais grave: estamos falando de um mecanismo financiado com recursos públicos, que passa a ser utilizado para cobrir custos privados de empresas.Esse tipo de conduta configura o que a ABCR denomina de vantagem financeira indevida: prática que fere a legislação e prejudica diretamente as organizações sociais e culturais.
A nova carta da ABCR (2025) também alerta para situações de conflito de interesses, como quando intermediários recebem comissão de proponentes e, ao mesmo tempo, prestam serviços aos patrocinadores. Essa dupla atuação compromete a transparência e a equidade na seleção de projetos e desrespeita os princípios éticos da captação de recursos.
Mas o que diz a Legislação?
Há diferentes marcos legais que orientam e coíbem essas práticas. Um deles é a Lei Federal de Incentivo ao Esporte (Lei nº 11.438/2006), que, em seu Art. 10, proíbe expressamente o recebimento, por parte de doadores ou patrocinadores, de qualquer vantagem financeira ou material como contrapartida à doação ou patrocínio.
Outro marco é o Decreto nº 11.453/2023, que regulamenta a Lei Rouanet (Lei nº 8.313/1991) e reforça que as despesas relativas à captação devem ser detalhadas em planilha de custos, observando critérios definidos pelo Ministério da Cultura. O decreto é claro:
‘’É vedado o uso de rubricas de captação de recursos para pagamento de serviços de consultoria, assessoria técnica ou avaliação de projetos prestados diretamente aos patrocinadores.’’
A nova carta da ABCR incorpora ainda outras referências atualizadas, como a Instrução Normativa MinC nº 23/2025 e a Portaria GM/MMA nº 1.250/2024, que regula o mecanismo de Incentivo à Cadeia Produtiva da Reciclagem. Todas reforçam um mesmo princípio: quem contrata, paga.
Ou seja, os serviços prestados aos proponentes podem ser custeados por rubricas de captação, enquanto os serviços prestados aos patrocinadores devem ser pagos com recursos próprios das empresas.

E como estão os captadores?
A Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR) tem um papel fundamental na defesa da ética e da transparência na captação de recursos no Brasil. Em seu Código de Ética, a ABCR estabelece princípios como honestidade, responsabilidade social e integridade, valores que norteiam a conduta dos profissionais da área.
Em 2025, a ABCR publicou uma nova Carta de Esclarecimento sobre a Prática de Vantagem Financeira Indevida, ampliando o posicionamento que já havia sido emitido em 2019.O documento reforça que empresas que prestam serviços aos patrocinadores devem ser remuneradas por eles, e não com recursos públicos provenientes das leis de incentivo. A carta também orienta que empresas adotem políticas de compliance e governança para evitar práticas ilegais e riscos reputacionais.
Essas normativas e posicionamentos reforçam a importância de combater condutas antiéticas que distorcem o propósito dos incentivos fiscais e prejudicam as OSCs, ao onerar indevidamente os proponentes e fragilizar a confiança no sistema. A ABCR recomenda que organizações e profissionais éticos da captação denunciem práticas dessa natureza e atuem de forma coletiva para fortalecê-lo.
Captação de recursos, ética e sustentabilidade
Apesar dos desafios, é importante reforçar que o trabalho de captação de recursos ético e transparente é essencial para a sustentabilidade das organizações sociais e culturais. Proponentes podem e devem contar com o apoio de consultorias e profissionais especializados, cuja remuneração é legítima quando prevista nas rubricas do projeto, conforme a legislação.
Já para os patrocinadores, é justo contar com consultorias que auxiliem na análise e acompanhamento de projetos, desde que o pagamento seja feito com recursos próprios, respeitando os limites legais e éticos.
A Nexo Investimento Social acredita que uma comunidade de captadores, proponentes e empresas investidoras bem-informada fortalece o ecossistema dos projetos incentivados e contribui para um ambiente mais ético, transparente e sustentável, valores indispensáveis para o fortalecimento da democracia e do investimento social no Brasil.

