30 abr 2025 Uma reflexão urgente sobre o cuidado com quem faz o investimento social acontecer
Em um setor que se propõe a transformar realidades e promover justiça socioambiental, fazemos um convite a olhar para dentro: como estamos tratando as pessoas que sustentam essa missão?
Foto: Moe Magners via Pexels.
No artigo a seguir, a Cientista Social Stephanie Ares Maldonado compartilha uma reflexão importante e urgente sobre como temos cuidado (ou deixado de cuidar) de quem faz o investimento social acontecer no dia a dia. Em um setor que se propõe a transformar realidades e promover justiça socioambiental, ela nos convida a olhar para dentro: como estamos tratando as pessoas que sustentam essa missão?
Com sensibilidade e profundidade, Stephanie fala sobre vínculos frágeis, falta de escuta e gestão de pessoas, pejotização e concentração de poder – questões que revelam uma contradição que precisa ser encarada de frente. Seu texto é um convite à escuta e à ação de repensar a forma como as organizações cuidam ou deixam de cuidar de quem transforma propósito em prática.
Foto: Stephanie Ares Maldonado, gestora de empresas e mestra em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas pela Unicamp.
Trabalhadores do investimento social estão desprotegidos
por Stephanie Ares Maldonado*
O investimento social privado brasileiro reúne organizações de direito privado que buscam atuar em prol do interesse público, através de projetos e outras iniciativas que ocorrem de forma estratégica, recorrente e articulada, sendo um de seus objetivos a transformação da realidade socioambiental em contextos diversos. Mas, ultimamente, tem se falado muito sobre a sua falta de diversidade e inclusão, principalmente em termos de raça e gênero, dos cargos mais baixos até os Conselhos, o que demonstra o baixo poder de decisão de mulheres e negros e, ainda, acaba sendo incongruente com o propósito do campo.
Na mesma linha, existe escassez de dados e discussões aprofundadas no campo laboral, especificamente, sobre o trabalho remunerado. Um exemplo disso é a falta de nitidez sobre como a diferença salarial entre homens e mulheres, que permanece como um problema no país, afeta este ecossistema em específico. Se isso acontece enquanto teoricamente o campo está “de olho” nas questões de gênero, pode-se dizer que as experiências de trabalho de outras minorias sociais estão ainda mais marginalizadas.
Constata-se, porém, alguns fenômenos observáveis sobre a desproteção generalizada dos trabalhadores do investimento social privado que merecem atenção. Para começar, muitos fundos, institutos e fundações não contam com profissionais com expertise em recursos humanos no seu quadro de funcionários, deixando normalmente a gestão de pessoas centrada nos executivos principais, que seguem os parâmetros dos Conselhos. Dessa forma, muitos trabalham no escuro quando o assunto é determinar corretamente o perfil da pessoa a ser contratada e o design do trabalho, possibilidades de capacitações e realocações internas, resolução de conflitos, escuta ativa dos colaboradores e práticas de demissão responsável e humanizada.
Outro fenômeno recorrente é a pejotização. Por mais que se possa relativizá-la, tem-se visto muitos casos de precarização do trabalho relacionada à contratação de Microempreendedores Individuais (MEI) para a realização de atividades-meio que, no fim das contas, configuram vínculos empregatícios. Com salários que nem sempre compensam os benefícios perdidos nessa modalidade, esses trabalhadores podem ficar ainda mais suscetíveis a excesso de trabalho e dificuldade para tirar férias.
A bolha do campo é difícil de perfurar, de se manter e de crescer nela. Em meio à concentração de poder, o medo – que é comum em tempos incertos e, principalmente, para profissionais da geração Z – pode ser acentuado e impedir a luta por direitos, incluindo o exercício da livre expressão no ambiente laboral.
É preciso capacitar as organizações e lideranças do campo para receber os diferentes modos de pensar, agir e se expressar no trabalho, que são oriundos de pessoas que são, em si e sempre, diferentes. A responsabilidade das organizações não deve ser assunto apenas nas relações que estabelece com o seu entorno e com os beneficiários dos seus investimentos e programas, mas fundamentalmente com quem coloca a mão na massa e dedica seu tempo todos os dias para tornar seus propósitos uma realidade.
Isso inclui começar a se aprofundar nas práticas de promoção de saúde mental e bem-estar para o trabalhador de forma integral, como as indicadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), na maior adequação às leis, no oferecimento de salários, ambientes e modelos de trabalho dignos e na desnaturalização de padrões de comportamento danosos, como o acúmulo de funções, em especial quando o assunto é captação de recursos, uma atividade profissional já muito exigente.
Por outro lado, para ampliar seu sistema de proteção, é imperativo que os trabalhadores reconheçam o valor de sua própria força de trabalho, ainda que queiram contribuir para os objetivos de suas organizações. Da mesma forma, investidores, sociedade civil e outros interessados necessitam permanecer vigilantes e ativamente engajados no assunto, de forma a pressionar melhorias no campo laboral das instituições parceiras. E, por fim, o financiamento de pesquisas sobre o assunto e o fortalecimento institucional seguem como pontos cruciais para o melhor entendimento da realidade atual e viabilização de uma outra realidade.
A todas as pessoas que leram a versão prévia do artigo e contribuíram com suas perspectivas: meu muito obrigada.
*Este artigo é uma parceria com Stephanie Ares Maldonado, gestora de empresas e mestra em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas pela Unicamp. Atualmente, ela cursa especialização em políticas públicas na Escola Superior de Gestão e Contas Públicas – TCM/SP e é membra do Grupo de Pesquisa Geografia Humanista Cultural (GHUM) e do Instituto Sua Ciência (ISC). Com atuação no campo do investimento social privado, Stephanie propõe reflexões sobre práticas mais justas e humanas para quem move o setor diariamente.