Financiamento coletivo à Cultura: o cenário do investimento das pessoas físicas


Até hoje, temos abordado sobre diversas perspectivas o investimento social das empresas via incentivos fiscais. Neste post, abordaremos um outro aspecto do uso dos mecanismos de renúncia fiscal: o investimento de pessoas físicas.

Muitos não sabem, mas pessoas físicas podem investir até 6% de seu imposto de renda devido em projetos aprovados em Lei Rouanet, Lei do Esporte, Fundo da Infância e da Adolescência (FIA) ou Fundo do Idoso. Esse benefício se limita àqueles que optam pelo modelo de declaração completa do imposto de renda e o percentual de dedução considera o somatório de todos os mecanismos de incentivos fiscais federais mencionados acima.

As doações de pessoas físicas se configuram como uma forte tendência no Brasil, que ainda está muito distante de outros países nesse sentido. Como exemplo, estima-se que 80% do investimento social realizado hoje nos Estados Unidos é oriundo de pessoas físicas, que também contam com benefícios fiscais para doações. No Brasil, essa tendência se manifesta no crescimento do crowdfunding, apoiado no surgimento de sites especializados como o Catarse e o Queremos (inspirados no sucesso do americano Kickstarter, que já mobilizou mais de 30 milhões de dólares). No geral, essas doações, que podem ou não ser realizadas com benefícios fiscais, são motivadas pela vinculação das pessoas a alguma causa ou projeto específico.

O Brasil ainda carece de relatórios consolidados sobre o investimento social de pessoas físicas, mas é possível ver alguns indícios a partir do banco de dados da Lei Rouanet, que há alguns anos é o principal mecanismo de incentivo fiscal existente no país.

O investimento de pessoas físicas representou apenas 1,4% dos R$ 1,3 bilhões aportados na Lei Rouanet no último ano, valor irrisório quando comparado com a realidade americana – percentual que cai para 1,2% quando consideramos os últimos cinco anos.

Um olhar atento sobre os dez maiores captadores de recursos junto a pessoas físicas nos mostra como esse tipo de investimento é realizado hoje.

Um dos maiores programas financiados com recursos de pessoas físicas do país já há alguns anos é o Eu Faço Cultura, um programa multicultural financiado pelo Movimento Cultural do Pessoal da CAIXA (MCPC), composto por colaboradores e empregados ativos e inativos da Caixa. Para se ter uma ideia, mobiliza mais recursos do que a própria empresa Caixa Econômica Federal e outras grandes corporações atuantes no Brasil.

O programa da Caixa só não é maior que a iniciativa pioneira realizada pelo Programa Cultural do Instituto Unimed Cidadania de Belo Horizonte, iniciado em 2000. Os proponentes Instituto Cultural Sérgio Magnani, Veredas Produções, Rubim Produções e Associação Galpão aparecem nessa lista por serem os principais projetos patrocinados por essa iniciativa. Desde 2007, esse programa já mobilizou mais de R$ 15 milhões de recursos, sendo cerca de R$ 5 milhões em 2011. Trata-se da primeira iniciativa criada no Brasil para viabilizar o investimento de pessoas físicas vinculadas a uma empresa, no caso, os médicos cooperados da Unimed-BH. A dinâmica é simples: o Instituto Unimed faz a gestão dos investimentos de pessoas físicas de seus médicos, investindo em projetos de seu interesse e garantindo assim visibilidade também para a cooperativa. Em contrapartida, garante uma programação cultural para os médicos ao longo do ano. O processo se torna viável pois a empresa adianta os recursos para os cooperados e vai recolhendo ao longo do ano.

As presenças da Associação Sociedade de Cultura Artística e da Fundação Orquestra Sinfônica de São Paulo, por sua vez,exemplificam um outro modelo realizado de maneira bem sucedida em algumas instituições culturais brasileiras: os programas e associações de amigos. Algumas organizações aproveitam do bom prestígio que gozam junto à sociedade e estruturam programas de relacionamento com os seus admiradores / doadores. Existem ainda organizações que estendem os seus programas para doadores que não utilizam incentivos fiscais, como o Instituto Inhotim, que após dois anos de existência já se apresenta como um dos mais bem sucedidos programas em número de adeptos.

A título de curiosidade, 47 pessoas investiram mais de R$ 100.000,00 individualmente nos últimos cinco anos. Os irmãos empresários Rolf e Ursula Baumgart, controladores do Grupo Otto Baumgart, foram os maiores apoiadores da cultura via Lei Rouanet nesse período – investiram, respectivamente, R$ 944.000 e R$ 903.000,00. Em 2011, o empresário João Carlos Di Genio investiu, sozinho, R$ 300.000,00 (e outras cinco pessoas investiram mais de R$ 200.000,00).

Um dos fatores que ainda desencoraja mais pessoas a investir via incentivo fiscal, além do fato de apenas optantes pelo modelo de declaração completa poderem doar, é a necessidade de se depositar os recursos até 31 de dezembro de um determinado ano fiscal, sendo que as declarações de imposto de renda são feita em março ou abril do ano posterior. Isso exige um planejamento tributário que muitos não tem. Recentemente, mudanças na legislação permitiram que as doações via FIA possam ser feita no momento da declaração, algo que seria muito bem vindo também para outros mecanismos, como a Lei Rouanet.

ATUALIZAÇÃO

Segundo informações do Ministério da Fazenda, 10.204.621 pessoas físicas declararam imposto de renda no modelo completo no último exercício. Em 2011, 15.911 pessoas doaram via Lei Rouanet, o que representa 0,16% do que poderia ser investido nesse mecanismo. Embora demonstre o grande potencial de novos recursos para a área cultural, é importante ressaltar que pessoas físicas podem investir também via outros mecanismos de incentivo fiscal, cujas estatísticas não estão disponíveis, sempre respeitando o limite de 6% do imposto de renda devido.